sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Uma flor


Havia uma casa não muito espaçosa, mas com um jardim relativamente grande. Sua mãe, Dona Glória, cuidava de cada flor como se tivessem saído, uma por uma, de si. Sabia o nome de todas as flores e plantas que habitavam aquele jardim. Todos os dias ela se levantava bem cedo, tomava seu café e logo após se trocar, antes mesmo de arrumar a casa, ia cuidar de seu jardim.

Era quase meados de setembro e a primavera já queria chegar. Pablo estava aproveitando um feriado prolongado e sentia falta de sua namorada. Dona Glória, como de costume, caminhava até seu jardim quando se deparou com uma flor lilás, linda. Desde então se dedicou a procurar saber o nome daquela flor.


Ele, todas as vezes que queria uma mudinha dela, precisava se empenhar bastante com sua mãe. Ela tinha um ciúme danado de suas plantas. Tinha branca e lilás daquela nova flor.

Ele sabia que sua namorada adorava lilás e por isso sempre escolhia essa cor. Às vezes levava uma branca com a desculpa de que era para variar, mas a verdade era que não tinha dado tempo de florescer mais da lilás. Mas ela não ligava. Quando lhe era perguntado onde conseguia aquelas flores tão lindas, ele respondia brincando que sua saudade era tanta que mal cabia no peito, por isso brotava no jardim da sua casa.

Logo Dona Glória e parte do seu jardim se encheram de saudade.

A cor lilás parecia perfeita para caracterizar aquilo que sempre sentia. Desde que recebera uma flor dessa cor, da família das Dipsacáceas, a saudade que sentia tinha a cor lilás. E só o fato de ela conseguir dar uma cor ao que sentia era motivo de um suspiro de alegria mansa. E por coincidência a flor também era conhecida como suspiro.

E agora, cinco anos depois, lá estava a mulher, diante de uma antiga saudade. Estava esquecida e presa em um pequeno saco plástico e amassada pelas numerosas páginas do seu caderno. Completamente sem cor e sem vida.

Aquela saudade que só fazia cócegas, que vinha como uma brisa fresca, mantinha-se viva no dia-a-dia, principalmente à noite, quando eles iam dormir, cada u mem sua casa.

Ela guardara a primeira de todas em seu caderno, a título de recordação. As outras ela colocava na água, na esperança de prolongar um pouco mais sua beleza lilás, ou branca. Assim que uma começava a murchar e perder suas pétalas, ele logo a presenteava com outra. E elas pareciam cada vez mais radiantes, as flores e a mulher. Gostava de manter a saudade viva.

A natureza, porém, o surpreendera. Por algum motivo que ele desconhecia, em certa manhã não havia mais saudade. Ela não entendia, mas ele não tinha culpa. Ele também se sentia mal. Apareceu então com outra flor, mas não era a mesma coisa. Nem lilás era! Além de se enganar, tentava enganá-la, mas as coisas não eram mais como antes. A natureza humana tem dessas coisas.

O desenho que suas folhas e pétalas secas faziam no papel era perfeito, vários farelos de saudade permaneciam unidos, imóveis. Uma união extremamente frágil, inacreditável; sabia que se tentasse tirar o que sobrara dali, perderia tudo. E ela nem pretendia fazer isso, mas pensara no que poderia acontecer. Pensava no que poderia ter acontecido se a saudade não tivesse acabado de um dia para o outro. Não tinha mais a cor vibrante de quando a recebera, representava a mesma coisa, mas em um contexto bem mais solitário e fúnebre.


Era eterna e estava morta, mas agora ela entendia.

2 comentários:

Tânia Tirone disse...

ô malaca, num entendi mto bem não [novidade rsrs]. vou ler mais algumas vezes pra ver se capto a idéia.
beijoca da tanzoca

Tunico disse...

Gostei Anna!
A imagem da flor é ótima! Tocante! O desgaste, a saudade...