domingo, 23 de março de 2008

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Começara a ler um livro que se iniciava com nada mais, nada menos que uma vírgula. E descobrira sem querer que ele terminava com dois pontos... E, incrível, o ponto final era raríssimo. Às vezes nem antes dos parágrafos eles apareciam. Aquilo era fascinante, porque ela sentia uma ligação incrível com as palavras. Eram contínuas, flexíveis. As vírgulas substituíam os pontos finais sem pudor, e funcionava.
Ela escolhia o ponto que seria final. E foi assim nas três primeiras páginas de narração. Sequer um ponto final. Tinha, para ela, uma força gravitacional, por assim dizer. Era difícil, mas usá-lo significava se dispor a recomeçar um novo período e ver mais além. Começar algo que direcionava para outro ponto, por que não dizer mudar de foco?
Mas ela queria pontuar as coisas para ter a sensação de que havia terminado de fazê-las. Ela queria aprender a arte de pôr pontos finais, em discussões e em sentimentos. E, principalmente, queria saber usar o ponto final em seus discursos amorosos. Simplesmente pôr um ponto final e fechar o caderno.
Tinha uma mania incorrigível de terminar suas frases com reticências. Não era uma pessoa reticente, mas tudo que vinha dela soava reticente. No meio das frases raramente usava um ponto final; recorria ao impreciso ponto-e-vírgula, que não era nem tão breve quanto uma vírgula, nem tão definitivo quanto um ponto final. O vacilante ponto-e-vírgula. Denunciava a insegurança de quem optava por ele.
E o que fazer com o granítico ponto final? Como era difícil usar isso! E achava que as pessoas usavam errado. Sempre dizia que no lugar daquele ponto final cabia melhor um ponto-e-vírgula. Não conseguia empregar o ponto e ainda queria que o discurso alheio ficasse flutuante como o dela.
Ela queria ser pontual, queria fazer com exatidão ou no tempo preciso em que se combinou fazer. Sim, porque essa era a definição de “pontual” que o dicionário dera a ela. E era exatamente disso que ela precisava. Precisão.