domingo, 27 de janeiro de 2008

Por trás da casca de banana

Foto por Thanius Sarchis

Ele vinha andando pela rua Marechal Deodoro, com o pretexto único e simples de fotografar o que cruzasse seu caminho. Era uma tarde fria e chuvosa de pleno verão e tudo o que ele precisava fazer era bater algumas fotos para o seu curso de fotografia básico. Olhava descompromissadamente tudo a sua volta. Após alguns minutos de caminhada sem chuva, mas com a ameaça de, se deparou com uma casca de banana. Tão sozinha e tão expressiva. Tão abandonada quanto um orelhão que fora vítima de algum ato insólito de vandalismo.Um orelhão. Mas no chão de uma galeria? No chão, bem como a casca de banana caída, com a sutil diferença, porém, de chamar muito mais atenção de quem passasse perto. Do lado, um homem careca, tão solitário quanto, tornava a cena mais dramática. A mão no queixo denunciava: ele estava concentrado em algum pensamento, estava ausente. Em quê será que ele pensava? Parecia ignorar o orelhão ao seu lado.

Do segundo andar de uma galeria, ele analisava calmamente a geometria das paredes e procurava o melhor ângulo. Foi quando percebeu que um casal discutia a alguns metros dali. Sentiu uma espécie de vazio, parecia fome. Saudade. Aquele casal brigando fizera com que se lembrasse da sua namorada; mas não, claro que não lembrou das brigas. Lembrou da paz. Lembrou dos quilômetros que o separavam da sua maior paz. Quilômetros? Não foi preciso sequer um passo para que se juntasse a ela naquele exato momento. E então aproveitou a viagem para rever algumas fotografias antigas. Aquilo de eternizar um momento era fascinante.

Instantes depois percebeu onde estava realmente, fisicamente. Não estava vendo ninguém perto dele, não ouvia nada, só a voz dela, e lembrava daquela canção. Não entendia, mas era como se não estivesse em lugar algum: era assim que ele se sentia longe dela. Queria aproveitar e fotografar a saudade, depois revelar, colocar em um envelope e mandar para a casa dela. Talvez, concretizando em uma fotografia a fome que ele sentia dela, ele conseguisse se aliviar um pouco. Lá, atrás do sentimento, dos olhos, do pensamento, da fotografia. Por trás da metade pendurada no pescoço: lá estava a saudade.

Será que a pessoa que deixou aquela casca de banana no chão já sentiu tanta saudade como aquela que a fotografara sentia agora?

domingo, 20 de janeiro de 2008

Sobre as mãos...

Ela não soube me dizer o que aquilo significou. Naquele momento houve uma troca tão intensa. Duas mãos se descobriam, os dedos deslizavam uns pelos outros como se precisassem desesperadamente manter o contato. E em nenhum momento se afastavam.

Um diálogo tão harmonioso, um encaixe perfeito e algumas palavras para complementar o momento, tal qual uma cobertura de bolo. As mãos estavam frente a frente. Duas mãos direitas impossibilitando a simetria. Elas se percorriam, desde as pontas dos dedos, desde as unhas, passando pelas articulações delicadas de cada dedo, até se encaixarem. Como se não houvesse mais movimento possível, os dedos permaneceram entrelaçados por milésimos de segundo. E em seguida as mãos continuaram deslizando, depois vacilando entre o pulso e o meio do antebraço.
O movimento se repetia com pequenas alterações sem que eles percebessem.
A mesma sequência acontecia, dessa vez com uma mão sobre a outra. A harmonia estética agora existia: mão direita sobre a mão de direita, era perfeito.
A pele sentia tudo intensamente, era de uma sensibilidade nunca antes percebida naquele local.
O silêncio era melhor do que as palavras vãs que as bocas proferiam, mas elas faziam isso numa tentativa desajeitada e inoconsciente de tornar tudo mais agradável. E conseguiram. A voz agradava, era bonita e meio rouca. Além disso, saía sussurrada, pois naquela madrugada, apenas aquelas mãos não dormiam. Conversavam baixinho e trocavam experiências que as bocas ainda não tinham sido capazes de trocar.

Permaneceram assim por pouco tempo, mas na hora pareceu muito. E foi muito porque significou muito.




"Alguma coisa se desencadeara nela, enfim." Clarice Lispector

sábado, 5 de janeiro de 2008

Um ar de quê?

Ele tinha uma boca, como diria uma amiga, convidativa.
De maneira que, quando ele ficava sério e seus lábios cerrados, a parte inferior chamava mais atenção e dava vontade de morder. Convidava a mente para uma infinidade de pensamentos. Ela pensava naquela boca cantando alguma canção, beijando qualquer parte do seu corpo, sussurrando... pensava naquela boca falando e sorrindo. Era uma boca que, ao dar um sorriso simples, sem mostrar os dentes, parecia esconder certo ar de... de quê? Talvez um ar de timidez ou de falta de jeito. Mas ela sabia que, definitivamente, o mistério não era a falta de jeito. Ou era? Era uma boca que falava demais e agia pouco. Aliás, não agia. Algum motivo devia existir para isso. A boca fechada, sorrindo, escondia alguma coisa. Não falava tudo o que ela queria saber, mas ainda assim falava demais. Como era possível uma boca falar tanto, mas ao mesmo tempo isso não representar nada? Ela queria descobrir muitas coisas, mas teria que se virar sem a boca dele. Mas ela não queria tanto saber disso, queria mais era saber que gosto tinha.
(E ela me disse que sempre pensava nisso).

De acordo com uma matéria publicada na Folhaonline, o psicólogo português Freitas-Magalhães desenvolveu um estudo e revelou que "o sorriso fechado parece ser o que melhor traduz a afetividade e é também um 'sorriso de sedução'."

Agora faz sentido...