quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Ela x Eles

Havia o desejo de uma pele tocar a outra. Às vezes isso acontecia, intencionalmente ou não, mas era como se já fossem óbvios certos contatos. Toda vez que isso fugia do óbvio, um sopro ia do fim até o começo da coluna. Parecia passar energicamente por cada vértebra, se intensificando à medida que chegava perto da nuca. Então o sopro contornava o couro cabeludo, eriçando cada fio de cabelo. Continuava, descia pelo peito e provocava uma respiração lenta e demorada. A boca seca era delicadamente umedecida com a ponta da língua. Era muito mais do que instinto animal. A superfície da pele ficava granulada. Mas era, sobretudo, um instinto. O peso do corpo era como uma frase sussurrada no ouvido. Uma frase de amor indecente, mas, ainda, de amor. E quanto a isso não havia mais dúvidas. Um amor íntimo, mútuo e uma relação degradada, no melhor sentido pensável. Aquele amor puro, que, felizmente, persiste latente e coberto com uma seda escura. E seus movimentos são tão delicados, tão discretos e secretos, que ninguém é capaz de perceber. Às vezes nem ela percebe, de tão leve a respiração. E às vezes a brisa vem; e com uma força mansa de quem quer pregar uma peça, provoca um movimento ínfimo. Então, pensa-se que ele talvez ainda viva. Mas como saber?
Inevitavelmente lhe vinha recordações de uma noite em que o óbvio não acontecera. O óbvio... Era óbvio o que estavam sentindo. Óbvio o que queriam... Até mesmo o óbvio pode surpreender.
Ele não sabia responder a muitas perguntas óbvias que mal precisariam de respostas. O toque respondia.
Havia também o medo. Ela temia, porque talvez não fosse tão forte e resistente. Era. Mas e ele? Qual deles? O que incomodava era uma dúvida apocalíptica que impedia tudo de ir acontecendo passionalmente e sem limites. E daí? Por que era preciso limites a essa altura do campeonato? (Depois do óbvio sempre vem uma pergunta.) Agora que finalmente conquistaram a liberdade... Aquela liberdade de Veríssimo ("Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo.")... E se nem do ridículo eles têm medo mais, fica deveras difícil entender. Mas era uma liberdade de palavras e sílabas, não de atos. Era liberdade de vontade, de sentimento e de gosto, mas nunca de atos. Quase, mas nunca. A dúvida sempre fora a prova de fogo para qualquer passo que dessem. O que poderia acontecer? A dúvida dele lhe causava dúvidas. Medo de um prazer oculto, um prazer ridículo. Um prazer extra-ordinário.
O que ela via agora era difícil de descrever, de sentir e de ser. Queria ser, concretizar, com toda sua carne e desejo de alegria e prazer. E com o gosto. Ele também queria. Não havia dúvidas sobre a vontade do óbvio. Mas existem coisas mais importantes que ela.

Existem?

2 comentários:

Tha disse...

Lindo como sempre... =)

Olha, mais uma vez me identifiquei, não é? Mas no meu caso, a essa altura, eu já venci mais que uma vez o óbvio que teimava em não acontecer e o medo de não sei o que. Infelizmente, hoje eu sei que havia o que temer, e descobri da pior forma o que havia a temer... Não sei, não é que me arrependa, Anna, é que... Gostaria que essa fase assim, da iminência, tivesse durado mais tempo. Com certeza é mais bonito do que o que durou mais tempo na minha história.

Gostei da frase do Veríssimo... Acho que estou a um passo de ser livre... Medo do ridículo, eu tenho me supreendido, mas acho que não tenho mais. Mas ainda me resta umas pequenas paranóias e alguns outros medos de algumas outras coisas bem menos sérias... rsrsrs

Um beijo! E obrigada pelo post texto, "foi bom para mim".

Calça, Culura e Costura disse...

cara, esse texto é lindo e tambem super me identifiquei. to boquiaberta. ehiuehiuehiue beeijo