segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Sobre o tempo...

Dizem que o tempo cura tudo, mas quanto tempo?
A questão é que tudo dependia do tempo para acontecer. Tudo dependia dele para não acontecer também. E não, ela não acreditava que o tempo era uma medida imaginária criada pelo homem. Os anos, os meses, os dias, as horas, os minutos, os segundos, essas medidas sim eram imaginárias, mas o tempo continuava existindo. Sendo chamado de tempo por todos, porque algum desconhecido deu esse nome. Porém sem nunca deixar de ser tempo, sem nada de imaginário. O que tem entre o agora e o momento em que o sol vai se pôr novamente chama tempo. Quanto tempo? Aí sim fica a cargo da imaginação. Então por que transformar aquele que pode ser seu melhor aliado em seu maior inimigo?
Não era suficiente para ela que lhe dissessem para esperar o tempo. Esperar Deus. Pensava desesperadamente no amanhã e em todas as possibilidades que ele podia lhe proporcionar. Mas o principal: o tempo tinha poder de cura. O tempo então era Deus? Nunca antes havia se questionado sobre isso. Esperar era então a medida de quem acreditava em um Deus e tinha fé... Não sabia esperar, não sabia acreditar em Deus, embora acreditasse. E era mesmo necessário saber? Muitas vezes se fazia necessário.
Deus sempre exigira dela paciência extrema para esperar o tempo curar todos os males. Era criança e desde sempre tinha fascínio pelo prazer da dor. A dor prazerosa de arrancar uma superfície áspera e feia. Porque todo processo de cicatrização é torturante, bizarro e ao mesmo tempo, interior. Um ato defensivo. O corpo libera substâncias que anulam a ação de corpos estranhos e prejudiciais. É um instinto de auto-preservação contra agentes agressores. E, como todo instinto, é genuinamente animal, selvagem. Em qualquer processo, se um agente agressor causa um dano em um local, imediatamente uma série de fenômenos acontecem, visando uma reorganização daquela zona. Porque ninguém, nem mesmo o próprio organismo, irracional, consegue lidar com a desorganização. Tudo funciona perfeita e irracionalmente, mas do lado de fora é diferente. E, do mesmo modo, a qualquer sinal de ação agressora, os sentidos e o coração começam a trabalhar para reparar o desequilíbrio causado. Sempre sem êxito.
Não deixava de fazer alguma coisa porque poderia se machucar - quanto maior o risco, maior a diversão. Sempre tentava arrancar a casca, quando estava quase pronto o processo de cicatrização. Como consequência, sempre sangrava inevitavelmente - sangrava, porém, sem dor. Fizera isso tantas vezes naquela mesma ferida que não havia mais dor. Só doía para cicatrizar de novo. Era sempre um cansativo recomeço. Porém não conseguia se controlar, quando estava perto de se livrar daquele estorvo, não tinha a paciência necessária exigida para esperar que fosse embora naturalmente. Para que a casca do machucado simplesmente caísse sem dor e sem alarde. Era simples: quando menos esperasse, estaria livre. Incomodava como uma cutícula avantajada implorando para ser arrancada com o dente. E isso ela também adorava fazer. Queria arrancar tudo que incomodava a força. Claro que não esperaria o tempo fazer o seu papel, poderia demorar semanas e aquilo continuaria incomodando.
Era inevitável o ato. Havia muitas feridas menores que cicatrizaram rápido, sem sequer coçar. Outras, de tanto arrancar a casca, deixaram uma cicatriz horrorosa. Mas essa ela já possuía há alguns anos.
Por que acabou se machucando tanto? Porque quis, porque foi chamada para brincar e não se protegeu. Mas para quê se proteger? Sabia perfeitamente que poderia se machucar, mas qualquer apetrecho de proteção certamente limitaria seus movimentos e ela aproveitaria menos. Não.
E foi exatamente assim, sendo conscientemente imprudente que ela adquiriu tal machucado.
A verdade é que gostava de sentir aquela dor de vez em quando. Já era parte dela e a fazia se sentir viva. Era incapaz de deixar aquela ferida virar uma simples marca, uma simples lembrança. Seria muito pouco. Ela queria o sangue e a resposta do seu corpo a ele.

8 comentários:

Tha disse...

Anna, tanta inspiração merecia um comentário igualmente inspirado. O problema é que não tenho o dom e não sou capaz...

Essa coisa das feridas da alma, ow! Eu cutuco demais elas todas, e vc viu meu post e o que eu li em Olhai os Lírios do Campo sobre isso. Elas precisam de paz pra se curar, mas quem disse?

Você devia ler esse pedaço de Olhai os Lírios do Campo. É um dialogozinho besta, mas vale a pena pra você ver o quanto este seu conto dialoga com esse trecho.

No mais, Anna, pra variar, obrigada por sentir e expressar tão bem o que eu só sinto porque me falta o dom.

Bjuuuuuuu

| Alguém dentro de mim | disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
| Alguém dentro de mim | disse...

Há quem diga que o que passamos não é nada mais do que resultado de nossas escolhas. Pois bem: nós escolhemos viver. Por mais que isso incomode e doa e sangre. O processo de cicatrização é longo e tedioso. Nos faz sentir coadjuvantes de nossa própria vida. O melhor a fazer é tomar as rédeas!

Anônimo disse...

belo texto! usou um acontecimento rotineiro e extrapolou para coisas profundas da alma!
:)

(ps.: acredite se quiser MASTRO é a palavra pra parada de verificação... ai, ai.. hehe)

Tânia Tirone disse...

tempo = natureza em transformação. não eh o tempo q passa.. eh a natureza q se transforma.
o tempo não faz diminuir a dor... a dor eh a ação agressora e a natureza segue em suas transformações combatendo essa agressão.

por do sol = o sol nao se poe. eh interessante ver q, depois de taaaaantos anos [olha o tempo ae] após a descoberta de q a terra eh q gira ao redor do sol, ainda dizermos q eh o sol q se poe.....

"quanto maior o risco, maior a diversão."
só isso.

Tânia Tirone disse...

olha a hora q eu comentei... 3:33
medo-

Tha disse...

Anna Anna Anna

Eu marquei você com o lance do blog maneiro que te disse... Passa no meu blog depois e dá uma olhada no post ;)

Bjuuuuu

Bruna disse...

que lindo, anna. falou tudo, e falou por mim :)