Quanto mais fixamente olhava, mais sua cabeça doía. Lá estava a tinta, o caderno e a pena, só precisava de coragem para ficar lúcida de novo. Nunca gostou de tomar comprimidos e toda vez que sentia alguma dor, simplesmente sentia e esperava a vida tratar de levar embora depois. Era como se tivesse nascido para sentir e se recusasse a cortar qualquer sentimento, qualquer sensação. Por mais penoso que fosse, às vezes, não abria mão de degustar cada dor, cada amor, cada ilusão e conseqüente desilusão. Havia momentos em que ela não queria nenhuma dose de realidade, não queria deixar de ter ilusões.
Lidava com a dor com maestria.
Mastigava o comprimido em vez de engoli-lo inteiro; lembrava-se da infância, quando, pela primeira vez, precisou tomar Dramin. Ingênua! Triturara impiedosamente o comprimido com os dentes, como se fosse uma bala, e sentira o amargo necessário para evitar o mal posterior. O enjôo de uma longa viagem. Era melhor que tomasse um comprimido e adormecesse até o destino, mas ela nunca dormia. Queria observar tudo atentamente e sentir o que fosse preciso sentir para isso. A viagem toda se passava; ela com o sabor amargo que uma azeitona fora incapaz de abrandar e com uma avidez que o comprimido fora incapaz de abater. Era só engolir. “Abrir a boca e fechar os olhos”; mas só aprenderia isso mais tarde. E ela preferia enfrentar as conseqüências da escolha. Queria não tomar o comprimido para ver o que acontecia, mas para isso precisava se sentir preparada.
A sensação era de que tomando aquilo, o enjôo era muito maior, mas não estava segura para correr o risco implicado em não tomá-lo. Seguiram-se quinze anos e ela, sem conseguir engolir de uma vez, mastigava o comprimido. Tentara até ludibriar o amargo mastigando o comprimido junto a uma barra de chocolate, mas era muito pior. O sabor contaminava o chocolate todo. Simplesmente porque não sabia a melhor maneira de ingeri-lo, acabava sofrendo por tentar evitar o sofrimento. Isso não fazia sentido para ela.
Agora, depois de tanto tempo, se recusava a tomar um mísero comprimido para curar uma dor de cabeça que lhe permitiria escrever. Era de uma teimosia sem tamanho.
"Melhor sentir do que tentar remediar". E não era pra ser remediável. Porque não achava justo que uma dor de cabeça se curasse com um comprimido, e uma dor de amor ou de saudade não. Inútil querer definir, a dor aumentaria e a dúvida também. Precisava sentir a dor da qual tinha direito. Sentir e esgotar tudo que havia para sentir dela. Estava disposta a ir até o fim e enfrentar as conseqüências. “Não quero me dopar com isso, preciso sentir para crer que estou vivendo plenamente”.
Sentiu... com o mais intenso desejo que a dor se esgotasse. E ainda sente, ainda não chegou nas últimas conseqüências. Talvez ela não estivesse preparada.
A dor se tornara latente e a tinta, seca.
"Será que é mesmo necessário ir até as últimas conseqüências?", se perguntava sempre.
E precisava mesmo do comprimido para sentir a realidade?
Lidava com a dor com maestria.
Mastigava o comprimido em vez de engoli-lo inteiro; lembrava-se da infância, quando, pela primeira vez, precisou tomar Dramin. Ingênua! Triturara impiedosamente o comprimido com os dentes, como se fosse uma bala, e sentira o amargo necessário para evitar o mal posterior. O enjôo de uma longa viagem. Era melhor que tomasse um comprimido e adormecesse até o destino, mas ela nunca dormia. Queria observar tudo atentamente e sentir o que fosse preciso sentir para isso. A viagem toda se passava; ela com o sabor amargo que uma azeitona fora incapaz de abrandar e com uma avidez que o comprimido fora incapaz de abater. Era só engolir. “Abrir a boca e fechar os olhos”; mas só aprenderia isso mais tarde. E ela preferia enfrentar as conseqüências da escolha. Queria não tomar o comprimido para ver o que acontecia, mas para isso precisava se sentir preparada.
A sensação era de que tomando aquilo, o enjôo era muito maior, mas não estava segura para correr o risco implicado em não tomá-lo. Seguiram-se quinze anos e ela, sem conseguir engolir de uma vez, mastigava o comprimido. Tentara até ludibriar o amargo mastigando o comprimido junto a uma barra de chocolate, mas era muito pior. O sabor contaminava o chocolate todo. Simplesmente porque não sabia a melhor maneira de ingeri-lo, acabava sofrendo por tentar evitar o sofrimento. Isso não fazia sentido para ela.
Agora, depois de tanto tempo, se recusava a tomar um mísero comprimido para curar uma dor de cabeça que lhe permitiria escrever. Era de uma teimosia sem tamanho.
"Melhor sentir do que tentar remediar". E não era pra ser remediável. Porque não achava justo que uma dor de cabeça se curasse com um comprimido, e uma dor de amor ou de saudade não. Inútil querer definir, a dor aumentaria e a dúvida também. Precisava sentir a dor da qual tinha direito. Sentir e esgotar tudo que havia para sentir dela. Estava disposta a ir até o fim e enfrentar as conseqüências. “Não quero me dopar com isso, preciso sentir para crer que estou vivendo plenamente”.
Sentiu... com o mais intenso desejo que a dor se esgotasse. E ainda sente, ainda não chegou nas últimas conseqüências. Talvez ela não estivesse preparada.
A dor se tornara latente e a tinta, seca.
"Será que é mesmo necessário ir até as últimas conseqüências?", se perguntava sempre.
E precisava mesmo do comprimido para sentir a realidade?