Era uma casa muito modesta, com apenas dois cômodos além do banheiro. Nem cama havia. Havia era uma rede listrada enorme pendurada na parede: o casebre era semelhante às casas a beira-mar. Numa dessas tardes de verão, o sino dos ventos disposto na porta de entrada acusou que uma tempestade se aproximava. Ela preferia chamá-lo de sino da felicidade, mas naquele dia o anúncio era de algo diferente. Houve um momento em que tudo começou a se misturar, sem que ela conseguisse refletir claramente o que poderia fazer para se acalmar. E a areia da praia rapidamente ficou suspensa em uma coreografia rodopiante que poderia ser bela, se o vento não trouxesse consigo aquela coisa.
Era tão novinho e parecia manso, não vinha envolvido por nada que tivesse qualquer tipo de relação com a ruindade humana. Coitado. E coitada, que não resistiu e o abrigou. Ele era de uma pobreza invejável, como nunca antes vista por ela. E ela não sabia sua naturalidade, nem o motivo de ter aparecido logo agora, logo diante dela. E também não entendia por que as circunstâncias tinham de ser aquelas... Parecia ter andado milhas até encontrá-la. Parecia ter tido a ajuda dos ventos. Era engraçado e curioso, como parecia estar procurando exatamente por ela.
Mas ela não queria saber de nenhum detalhe dele, porque ele todo incomodava como a mecha no olho direito. E também, às vezes, não deixava a visão íntegra. Por vezes pensou em devorá-lo, de tanta fome que sentia. Não sabia de onde tirar o alimento de que precisava. Estava paralisada diante de tudo que acontecia, mas não podia abandoná-lo. Pensava sempre que não seria justo ignorá-lo. Era bonitinho... às vezes parecia puríssimo, outrora maquiavélico. Era o desconhecido. Inacreditável o poder que ele tinha sobre ela.
Teve então um domingo de manhã que ela acordou e encontrou a casa toda revirada.